domingo, 5 de julho de 2015

Doble

Na hora em que os cães uivam
Começo minha oração

Para que minhas preces se misturem
Ao ganido puro das bestas


Um centauro dorme no jardim
E sonha com joelhos humanos
Na extensão de duas pernas
De sua boca colada a folhas
Exala um odor que se forma
Do pelo de sua garupa
Dos cascos de suas patas
Dois rios de sangue se misturam
Na altura do ventre
A parte gente invade o lado cavalo
E é nesse instante, o moço esguio
A caminhar pelo jardim 
Avista um centauro dormindo
O dorso relaxado de um homem
Preso ao potente volume animal
Pegadas fundas cavadas na terra
Bosta secando perto de flores
O arco e a flecha largados 
O moço não pensa, apenas recolhe-os
Retesa o arco
Ajusta a mira e lança a seta
Num susto de abismo, o centauro ressona, 
Abre e fecha lentamente os olhos
Na fina tela da retina registra-se a imagem de um rosto, gêmeo do seu
Cabeça pendente e arma em punhos

Faz-se a primeira tarde da eternidade