terça-feira, 2 de setembro de 2014

o prosador vai à padaria

Hoje, às quatro da tarde
faltou pão na casa do autor
Ele estava sozinho
e quis, em sua solidão,
comer um pão com mortadela
Aquela vontade de ser simples novamente
Sair de casa a pé mesmo
Foi indo ali por aquelas ruas
que ele tanto mapeia em sua ficção
Talvez até assobiasse
Sentiu-se estranho - um personagem
Seria que o olhavam?
Mas não era ele ninguém tão assim
propenso a olhares e gritos fanáticos
Era só um autor de ficção
- premiado, laureado, traduzido
(justiça seja feita!)
Mas daí a reconhecerem-no na rua
Lá isso era querer-se demais
para coisa tão banal feito a prosa ficcional
Inda mais que estava vivo
E em assim estando, não relevava a autoria
Tomarem-no para ídolo
Não. Imagina. Logo ele...
Até riu-se...
Eram questões que lhe passavam
na lenta e trabalhada passada
E eis que chega à padaria
Pede o pão no mesmo tom
que o senhor de meia idade a sua frente
Sorve proustianamente
o cheiro quente da massa
E segue o caminho de volta à casa
Estamos sempre voltando pra casa
Anônimo e estupefacto
Sabendo a exata medida de valor
que uma boa prosa e nada têm,

no Brasil