sábado, 3 de maio de 2014

órbitas

Querido, hoje vi você sem óculos
Num desses álbuns virtuais
Vasculhados pelas minhas solidões
Tenho gasto horas assim
Vendo vidas alheias
Para ver se encontro na minha
Algum sentido, uma pista

Que distração, hein?
Tua mãe, uma irmã talvez
Deixou que você fosse flagrado 
Na nudez de seus olhos cegos 
Sem que você visse ou pedisse
Essa tão secreta intimidade
Que você costuma preservar 
Atrás dos óculos escuros
Me faltava esse recorte...

Olhei sua face fotografada
Por longo tempo suspenso
O par de orelhas
O desenho de sua boca
Logo abaixo do nariz
Parados, coadjuvantes
Diante de tanta expressão
O esquerdo completo fechado
Como se costurado fosse
E o direito, aquele arregalado 
Tonto, perdido, peixe sozinho
Num eterno aquário

Olhei tanto que quase compreendi
O mistério que subsiste 
Por trás das coisas sem voz
Depois esqueci tudo 
E os gritos da rua voltaram 
A me assustar os ouvidos