quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Criptonita



Pura maldade, as ilusões do cinema
Eu tinha apenas oito anos
Entrei naquela matinée
Nem sabia que estava prestes
A conhecer meu primeiro amor
O passo um tanto bambo
Pelo apertado do sapato
Meu pai nem estava ali
Distraída, sentei-me estrelinha
Entre a via láctea de assentos
(Na cidade, só o cinema e o cemitério
Eram maiores que a igreja)
Lábios sugando no canudinho
Umas últimas gotas de refri
Meus olhos vesgos se ergueram
Quando a música estourou
Lá pelas tantas, eu meio tonta
Dividida entre o herói e o manso,
Um pouso leve e o corpo duro
Braços cruzados frente a mim
E aquele "pega rapaz" que fazia bem assim...
O safado, imagine!, cravou-me os olhos
E fez aquele sorrisim
Ai, Super Homem, vem nin mim!
Mãos suadas, coração aos saltos
Dedos dos pé encurvados
Eu não era mais uma menina no cinema
Era só uma mulherzinha e seu amante




Um galo preto parado em frente ao monturo
Adivinhando o que àquela hora da manhã?
Da janela do trem vislumbrei
Esfinge talhada em crista, bico e penas
Os mistérios...
Com que constelações estava ele encantado?
O ponto de tempo parado antes do canto
Um galo é uma coisa abstrata
Até que as esporas se pronunciem
Nesse arranhar de unhas na umidade pura do chão
Mudam-se os rumos dos ventos

domingo, 9 de novembro de 2014

aos domingos as folhas caem mais lentas

Aos domingos as folhas caem mais lentas
O poema poderia começar assim
Para que se sustentasse sobre um título
Ou algo que formasse uma linha reta
Silhueta de edifício, construção segura
Por onde os olhos pudessem caminhar tranquilos
(como se isso fosse possível)
Algo que falasse bem de quem construiu
A coisa chamada poema, mas é que...
Tudo virou rascunho, parte inacabada
de algo que nunca mais se fará completo
O poeta está em abstinência
Não por vontade própria
O homem que o acalmava não quer mais saber dele
Disse que não se mete com poetas
Disse que poetas transformam em tédio
O que poderia ser diversão

Agora, chove pouco e constantemente
O centro da cidade é uma noiva fúnebre
Na janela do poeta, dependura-se uma névoa úmida
Como se quisesse espiar o que se passa
Dentro da capsula triste em que ele vive

Louca por notícias novas, a névoa
voará morro acima
E soprará no ouvido do homem que acalma o poeta
Pedirá um pouco de piedade
Uma chance de os olhos se acenderem
E o corpo se firme sobre os dois pés
E as pernas avancem até a saída
A mão agarre o trinco da porta
Passos largos corredor afora
Dedos loucos por um cigarro
Sugar e ir mais rápido que o tempo
Atropelar o tempo com viço e força
Sentir no corpo uma canção que persista
E deslize pelas veias até os finos canais

Ele é um simples poeta
Advoga em causa própria
Suas rendas são pacatas, tem poucos, parcos desejos
Parou de acompanhar os noticiários
O ínfimo que pede ao homem que o acalma
Não é para incendiar os instintos
No momento de olhar os paineis que giram
Nos aeroportos informando os próximos voos
Nem os que mostram índices econômicos
E os percursos casuais dos eletrônicos de bolso

O pouco que pede é parente da pedra
Algo que puxe o silêncio pra dentro
e permita que lá permaneça
Como um grande monumento aos escombros
Mas sem a loucura... essa palavra romântica
Antes, a lucidez, de saber que todos os tempos são vorazes
e que retroceder não resolve o problema
   retroceder não resolve o problema
   retroceder não resolve o problema
   retroceder não resolve o problema
   retroceder não resolve o problema