quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Os tagarelas

"É difícil viver com os homens, porque é tão difícil o silêncio. Especialmente para um tagarela"
                    Assim falou Zaratustra





Os tagarelas
Abriam e fechavam a boca
Exaustivamente
E riam sacudindo o corpo
De modo deselegante
Expulsando como demônios
Todo arsenal de chistes
Reservado em dias
de intensa solidão
Para esbanjar ali
Uma disputa louca
E deprimente
Terrivelmente deprimente
Eu sei porque estive com eles
Eu sei porque sou um deles

sábado, 6 de dezembro de 2014

O homem que cai

Está a ponto de voar
Amarre as asas no corpo
Enrole inteiros os braços
Como se fossem asas presas
E mergulhe de cabeça
Bem longe dos pensamentos

Lâminas finíssimas sobre os pés
A dor sobe até o coração e dispara
O mínimo na palma da mão
Pronto para voar e - quando interrompido
Não somente esquecer o desespero
Nada haverá nada a esquecer
Encha de água os pulmões
Repire o ar antes que seja fogo
Aperte o cano da respiração
Voe aceleradamente até o chão

Isso tudo para não continuar
Para não ver o próximo canto
Se transformar em grito
E depois?
O que fazer com o invólucro maldito?
Lançá-lo aos bichos?

Até que tudo passe e a vida permaneça viva

Lamentamos muito
Estamos inconformados
Profundamente tristes

Um último pedido
Que a vida viva e seja vista
Não se deve esconder a vida
Nunca guardá-la dentro dos sótãos
Ao sol os gestos são mais livres

A ponto de voar
Agora já está indo
E o que ficar, seja leve e doce
Um instante depois do outro



quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Criptonita



Pura maldade, as ilusões do cinema
Eu tinha apenas oito anos
Entrei naquela matinée
Nem sabia que estava prestes
A conhecer meu primeiro amor
O passo um tanto bambo
Pelo apertado do sapato
Meu pai nem estava ali
Distraída, sentei-me estrelinha
Entre a via láctea de assentos
(Na cidade, só o cinema e o cemitério
Eram maiores que a igreja)
Lábios sugando no canudinho
Umas últimas gotas de refri
Meus olhos vesgos se ergueram
Quando a música estourou
Lá pelas tantas, eu meio tonta
Dividida entre o herói e o manso,
Um pouso leve e o corpo duro
Braços cruzados frente a mim
E aquele "pega rapaz" que fazia bem assim...
O safado, imagine!, cravou-me os olhos
E fez aquele sorrisim
Ai, Super Homem, vem nin mim!
Mãos suadas, coração aos saltos
Dedos dos pé encurvados
Eu não era mais uma menina no cinema
Era só uma mulherzinha e seu amante




Um galo preto parado em frente ao monturo
Adivinhando o que àquela hora da manhã?
Da janela do trem vislumbrei
Esfinge talhada em crista, bico e penas
Os mistérios...
Com que constelações estava ele encantado?
O ponto de tempo parado antes do canto
Um galo é uma coisa abstrata
Até que as esporas se pronunciem
Nesse arranhar de unhas na umidade pura do chão
Mudam-se os rumos dos ventos

domingo, 9 de novembro de 2014

aos domingos as folhas caem mais lentas

Aos domingos as folhas caem mais lentas
O poema poderia começar assim
Para que se sustentasse sobre um título
Ou algo que formasse uma linha reta
Silhueta de edifício, construção segura
Por onde os olhos pudessem caminhar tranquilos
(como se isso fosse possível)
Algo que falasse bem de quem construiu
A coisa chamada poema, mas é que...
Tudo virou rascunho, parte inacabada
de algo que nunca mais se fará completo
O poeta está em abstinência
Não por vontade própria
O homem que o acalmava não quer mais saber dele
Disse que não se mete com poetas
Disse que poetas transformam em tédio
O que poderia ser diversão

Agora, chove pouco e constantemente
O centro da cidade é uma noiva fúnebre
Na janela do poeta, dependura-se uma névoa úmida
Como se quisesse espiar o que se passa
Dentro da capsula triste em que ele vive

Louca por notícias novas, a névoa
voará morro acima
E soprará no ouvido do homem que acalma o poeta
Pedirá um pouco de piedade
Uma chance de os olhos se acenderem
E o corpo se firme sobre os dois pés
E as pernas avancem até a saída
A mão agarre o trinco da porta
Passos largos corredor afora
Dedos loucos por um cigarro
Sugar e ir mais rápido que o tempo
Atropelar o tempo com viço e força
Sentir no corpo uma canção que persista
E deslize pelas veias até os finos canais

Ele é um simples poeta
Advoga em causa própria
Suas rendas são pacatas, tem poucos, parcos desejos
Parou de acompanhar os noticiários
O ínfimo que pede ao homem que o acalma
Não é para incendiar os instintos
No momento de olhar os paineis que giram
Nos aeroportos informando os próximos voos
Nem os que mostram índices econômicos
E os percursos casuais dos eletrônicos de bolso

O pouco que pede é parente da pedra
Algo que puxe o silêncio pra dentro
e permita que lá permaneça
Como um grande monumento aos escombros
Mas sem a loucura... essa palavra romântica
Antes, a lucidez, de saber que todos os tempos são vorazes
e que retroceder não resolve o problema
   retroceder não resolve o problema
   retroceder não resolve o problema
   retroceder não resolve o problema
   retroceder não resolve o problema





terça-feira, 28 de outubro de 2014

a moça francesa e o moço de máscaras

Compareceram às três da tarde. Deram sete batidas sobre a madeira (como sempre foi feito). No momento em que a primeira foi desferida, as demais começaram a cair sobre o solo fértil do coração. Pés sobre o chão. Passos. Mãos girando chaves. Uns e uns olhos. Sentiram-se um tanto febril. O em redor do mundo é gigante e aviões cruzam o céu e por trás das paredes há conversas concretas sobre situações reais que não subestimam a intimidade do silêncio. O dentro do estômago é estreito e  as pálpebras se fecham lentamente. Desaprender é um esforço imenso. Abriu a boca e, lá dentro, no fundo da garganta, o céu. 

Ele avançou com cabeça e tudo pela gruta estreita da garganta. Há via pólipos brancos recém nascidos. E pela traqueia abaixo foi um abismo até cair fofamente sobre a vermelhidão. O tempo não mais lhes pertence. Alonga-se demais e é possível perceber que sob a epiderme repousa outros planos para o final da tarde e para a madrugada e de manhã quando amanhecer. 

- Não posso te ver assim triste. Sinto vontade de matar você quando vejo que está triste. Aliás, sua tristeza me mata tão devagarinho que me apago por dentro como um cigarro que cai na poça d´agua fria. Mas disfarço. E disfarçar é muito mais intenso do que expulsar você da frente do meu corpo e de toda reação que possa se formar a partir do momento em que percebo que sua presença é provisória. Que a sua presença não tem mais aquele desejo de mergulhar lá dentro da superfície bruta do tempo e esquecer os movimentos e esquecer e esquecer.
- Sua mentira é uma tinta fresca. 

trancar por dentro e por fora
trancar e se cobrir
trancar e respirar bem devagar
trancar e lembrar da história do pássaro que esbofeteou o vidro e caiu morto

mas é cedo ainda

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

alhures

e hoje, ao passar
por aqui e por ali
encontramo-nos com outros
logo antes mesmo de sairmos de casa
outros estavam por aqui e por ali
subiam pelas pernas
escondiam-se atrás dos pelos
agarravam-se à curva magra do joelho
e os dedos cravados
afundavam pelas coxas
subiam com toda vontade
até pendurarem-se aos pentelhos
e adentrarem os buracos
nadavam por dentro de nós
corriam pela corrente sanguínea
aceleravam o ritmo do coração
e um vento louco tangia
as ideias para um e outro lado
logo ao sair e passar por eles
os outros, tantos
desviei meus olhos torpes de medo
guardei em segredo as mãos frias
os fios de cabelos brancos
crescendo lentos e supersticiosos
diante dos outros pelas ruas
crentes do mesmo horror antigo
fingiam-se conhecerem-se
tocavam-se distraídos
na verticalidade angustiante
do elevador
na saliva grossa
formando nos cantos da boca
no esbarrar de braços e pernas
entre as portas de entrada e saída
os outros todos os outros
e a pressa urgente de estar sozinho
pesava nos ombros tanto meus
quanto de todos os outros

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Báscara

Na sala de aula
O professor mal pago
Apaga lentamente o quadro
Às suas costas (que perigo!)
Adolescentes tristes
Aguardam o grande sinal

esquerda direita, volver

Alguns acontecimentos são extremos
A não ser que você esteja olhando pra cima
Olhar pra cima é evitar
Que o acontecimento escorra para um dos extremos

O extremo da direita é execrável
O extremo da esquerda é igualmente execrável

Os que visam à direita
Estão de costas para esquerda
Tem um saco de pedra diante deles
Abaixam-se para alcançar uma pedra
E jogá-la pelas costas com toda força
Atingindo a cabeça dos da esquerda

Os que visam à esquerda
Estão de costas para direita
Tem um saco de pedra diante deles
Abaixam-se para alcançar uma pedra
E jogá-la pelas costas com tora força
Atingindo a cabeça dos da direita

A corja dos extremos
Uiva raivosa ao surgir à sua frente
Algum da direita ou da esquerda
Não ouve com os próprios ouvidos
Não anda com as próprias pernas
A fala que sai de sua boca
Reverbera o grito louco
Contra esse, esse e aquele
Que não seja do seu bloco

Ao completar 16 anos
Ganhe o seu saco de pedra
E comece a treinar lançamento
Para a esquerda ou direita

A menos que você olhe pra cima
E evite tomar partido
Sem atirar pedras
Nem para esquerda ou para direita
Enxergará a melhor pessoa
Até que os partidos tenham partido


domingo, 5 de outubro de 2014

fantasma

Quando decidiu pelo não
Pesar os prós e os contras
Não se fez questão

Andou pela casa em silêncio
Já era um fantasma

Abraçou a mãe e os irmãos em silêncio
Já era um fantasma

Chorou os amores
Revisitou-os todos
Olhou o gato
E mais uma vez o invejou
E uns tantos livros,
Alguns ali, nunca lidos
Nada importava
Já era um fantasma

O tempo inerte
que engendra bolor
A tudo se adere
à face de um dente,
o amargo da língua
à remela dos olhos
o pretume que habita
unhas e rugas de alguns mendigos
sentados quietos em dias de sol

Cerrou lentamente os olhos
No gesto final de acalentar
Tristeza de rio incerto
Na lágrima amarga
jamais desaguada

Aliviou saber
Que o esforço de suas mãos
Forjavam um ritual
De primeira última vez

Entre um passo e outro
Deu-se com o espelho
Mirou-se estranho
E ainda quis avaliar as perdas
Mas tudo era perda
E perder-se de vez  seria abandonar
Uma casa antiga sem acesso ao sol
Onde as coisas úmidas achegam-se
À desolação dos mínimos objetos


Ele não havia ninguém mais em si
O corpo era somente uma sombra de carne
Preparando o despejo
A um exato lugar fora do tempo
E das coisas visíveis

um mundo mudo não muda

Uma nova categoria se constrói
A dos reagentes

Os que reagem
São violentos
Praticam também a violência
E quem vai reagir
Depois que todos reagirem violentamente?
Como reagir a reação?

Que silencio é esse que durante tanto tempo
Espera o momento exato da reação?

Que silêncio é esse que engendra
com dor imensa
uma reação?

E então depois de vencido o prazo
Grita violentamente
Exigindo que torturem, apedrejem, destrocem e executem
Aquele que primeiro gritou
E torturou e apedrejou e destroçou e executou

Todo silêncio forja dentro de si
O gesto e a palavra exata
que irá romper a casca

A costura da longa espera
É feita de desesperos

sábado, 27 de setembro de 2014

um pequeno assassinato

no intervalo entre uma aula e outra,
encontrei o escritor que agora é professor
ele é professor para ganhar a vida
pois não se ganha a vida sendo escritor

melhor explicando:
a vida que se ganha sendo escritor
não é a mesma vida que se ganha sendo outra coisa
um médico, um diplomata, um herdeiro
assim sendo, é possível até ser escritor

médicos leem livros
no intervalo entre uma e outra cirurgia
e podem até escrever um livro

diplomatas leem livros
no intervalo entre uma e outra viagem
e podem até escrever um livro

herdeiros, alguns, de tão entediados, leem muito
os clássicos imortais ou, descaradamente, bestsellers do momento
e por isso podem até escrever um livro ou mais

Era bem isso que estava escrito no olhar do escritor
que agora é professor
naquele intervalo entre uma aula e outra
quando ele me disse: "não posso escrever mais,
preciso ganhar a vida"




segunda-feira, 15 de setembro de 2014

perceba

é cedo ainda, de manhã
agora você acorda e percebe o corpo
mais pesado do que nunca
uma vontade maior em querer não

querer não bem mais forte que
querer sim

e também você não tem um cachorro
pessoas felizes têm cachorro
está confirmado

olha a agenda da semana
mil compromissos
como eles vieram parar ali sem você se dar por isso?

ah, você não se deu por isso
é isso!



terça-feira, 2 de setembro de 2014

o prosador vai à padaria

Hoje, às quatro da tarde
faltou pão na casa do autor
Ele estava sozinho
e quis, em sua solidão,
comer um pão com mortadela
Aquela vontade de ser simples novamente
Sair de casa a pé mesmo
Foi indo ali por aquelas ruas
que ele tanto mapeia em sua ficção
Talvez até assobiasse
Sentiu-se estranho - um personagem
Seria que o olhavam?
Mas não era ele ninguém tão assim
propenso a olhares e gritos fanáticos
Era só um autor de ficção
- premiado, laureado, traduzido
(justiça seja feita!)
Mas daí a reconhecerem-no na rua
Lá isso era querer-se demais
para coisa tão banal feito a prosa ficcional
Inda mais que estava vivo
E em assim estando, não relevava a autoria
Tomarem-no para ídolo
Não. Imagina. Logo ele...
Até riu-se...
Eram questões que lhe passavam
na lenta e trabalhada passada
E eis que chega à padaria
Pede o pão no mesmo tom
que o senhor de meia idade a sua frente
Sorve proustianamente
o cheiro quente da massa
E segue o caminho de volta à casa
Estamos sempre voltando pra casa
Anônimo e estupefacto
Sabendo a exata medida de valor
que uma boa prosa e nada têm,

no Brasil

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

treino

hoje experimentei
o mundo sem você
Pensei: vou ver propositalmente
como vai ser depois que ela sair de vez
já que hoje, por coincidência, ela não está

fazia azul no céu
as borboletas tontas, ali na rua do lado
esbarravam nos fantasmas dos vivos
o ipê explodia um lilás escandaloso
deitando folhinhas no tapete do chão

ah, aquela senhora que carrega o braço
pra cima e pra baixo, sabe?
(por causa daquela doença que a gente
até descobriu o nome, lembra?)
ela sorriu quando eu passei

o rapaz que entrega água
estava de novo de ressaca
com o corpo deitado no balcão
e o canário louco na gaiola
cantando ou gritando?

os portugueses na frente do restaurante
falavam sem parar, com uma alegria abusiva
como se fundassem ali uma pequena pátria

o guardador de carros fez aquele mesmo tipo
de barulho de boca quando passei perto dele
e por isso, mais uma vez, não o cumprimentei

fiz tudo como de costume
entrei no café
pedi um espresso
ao rapaz que sorri fazendo careta
abri o livro de poemas
li um deles em silêncio

foi quando percebi
não adiantava a vida fingir-se viva
se você não estava ali


quinta-feira, 10 de julho de 2014

pelo mundo as notícias correm
e o barco de Caronte não cessa de navegar
tão lindos são os seus mortos
e tão sagrados
que festa seria estivessem vivos
tão lindos são os seus mortos
e tão sinceros
deviam estar brincando quando surpreendidos
agora o espírito assombrado
flutua absorto diante da carne rota
onde antes havia fala
onde antes havia riso
e no coração habitava
um desejo enternecido
os gritos dos pais são lágrimas silenciosas
onde estarão meus meninos
desde que saíram da pátria mitificada?
outros vales habitarão?
terão enfim sua morada?

do útero escuro da terra escorre um clamor sem nome

terça-feira, 27 de maio de 2014

irmãos

E mesmo que você não tenha me perguntado
(ah, eu contei pra ela o sonho das duas imagens e a moça)
Eu sou contra você vir morar pro centro da cidade

Logo agora que teve essa briga aí
E você jura que a razão é só tua
Não sei... desconfio que não
Ele fez o que? Pediu dinheiro 
Quanto ele pediu? Algum para o almoço
E você disse que não tinha
E ele disse que você estava era gastando
Gastando o que não devia com essa uma

Enfim, o sonho era mais ou menos assim
Eu deitada num divã mesmo, desse tipo aqui
E entrava uma moça no quarto 
(porque me parecia um quarto)
Ela ia para um canto se banhar
E dois espelhos 
(uma na parede frontal e outro na lateral)
Refletiam a imagem da moça se banhando

O mais interessante é que... 
(e é justo por isso que eu acho que você 
não deve mesmo vir morar pro centro)
as mãos saíam do espelho e pegavam 
água da pequena fonte
(Pelo menos não agora, 
antes d´ele perdoar você)

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Que lindo!

do quarto eu ouvi
quando você correu
para escrever o poema
porque o poema corria de você
e se você não fosse correndo, o poema
correria de um jeito que não ia ter jeito
ia ficar só aquele resto de coisa
como um resto do sonho que a gente
tenta a todo custo, antes de trocar
qualquer palavra com alguém ,
recuperar vozes, rostos, roteiros
ouvi e pensei, é um poema o que ela
e o bater louco de teclas mordia
letra por letra a palavra inteira
pensei no que podia ser, acho que ouvi
sim, talvez, alguma coisa como "flores"
brotando, saindo da urgência
riscando um desenho vivo e limpo
sopro aberto, aquela luz da geladeira
o frio, e a cara enfiada lá dentro

sábado, 3 de maio de 2014

órbitas

Querido, hoje vi você sem óculos
Num desses álbuns virtuais
Vasculhados pelas minhas solidões
Tenho gasto horas assim
Vendo vidas alheias
Para ver se encontro na minha
Algum sentido, uma pista

Que distração, hein?
Tua mãe, uma irmã talvez
Deixou que você fosse flagrado 
Na nudez de seus olhos cegos 
Sem que você visse ou pedisse
Essa tão secreta intimidade
Que você costuma preservar 
Atrás dos óculos escuros
Me faltava esse recorte...

Olhei sua face fotografada
Por longo tempo suspenso
O par de orelhas
O desenho de sua boca
Logo abaixo do nariz
Parados, coadjuvantes
Diante de tanta expressão
O esquerdo completo fechado
Como se costurado fosse
E o direito, aquele arregalado 
Tonto, perdido, peixe sozinho
Num eterno aquário

Olhei tanto que quase compreendi
O mistério que subsiste 
Por trás das coisas sem voz
Depois esqueci tudo 
E os gritos da rua voltaram 
A me assustar os ouvidos