domingo, 9 de junho de 2013

damascos frescos

Gritava Eu te amo sempre que passava um cavalheiro, distraído a olhar as botas. E ele arrancava a cabeça do chão e ficava mirando as janelas para acertar de qual delas teria vindo esse grito. Ela., recolhida entre cortinas, continha-se em riso. Divertia-se muito com isso. Até que um, um dia, antes mesmo que ela pronunciasse as palavras lançou longe o olhar direto para a moça - que, no hábito de dizer, continuou. Como a imagem estranha surgindo no fundo dos copos espelha um rosto que não temos certeza de que seja o nosso enquanto olhamo-nos suspeitos bebendo o líquido, lá do fundo do poço dos olhos eles se olharam. E foi certo o que viram. 

Uma desordem surge intensa com a luz da manhã. As mãos do acaso não descansam - recuperam incessantes os fios da véspera dos dias. Um anjo dormita entre lençóis encardidos. E qualquer tecido perderia pureza ao lado da imagem. Asas imensas recolhidas aquecem a nudez, enquanto os pés rosados e de pouco uso repousam com a estranhez da cabeça de Medusa. Em volta do quarto, o dia se agita em mil preocupações. Não compreendo a necessidade de ordem que nos impele a distrações inúteis - quero somente aproximar o rosto e sentir o sopro leve do anjo adormecido; imaginar que sonhos se formam em seu sono; correr meus olhos pelas delicadas mãos, os arcos dos olhos em meia lua e cílios, o traço suave da boca. Desenhar em mim todos os contornos. E desta única manhã, sustentar toda a existência.